- Vovó, que bolo você vai fazer? – perguntou Zequinha para dona Mariinha, sua avó por parte de mãe.
- Ah, hoje será um bolo de laranja, o meu preferido! – respondeu ela.
- Então você não gosta de bolo de chocolate, vovó? – insistiu o menino.
- Gosto sim, meu amor. Só que hoje eu me lembrei do bolo de laranja que minha mãe fazia e me deu uma saudade...
- A minha bisa era assim como você, vovó?
- Era bem melhor! – exclamou dona Mariinha segurando a lágrima que queria sair do seu olho.
- Eu vou te contar como era na minha infância, quando eu tinha a sua idade. Na minha casa éramos quatro filhos, três meninos e eu. Morávamos num sobrado grande. O que não faltava era terreno pra gente correr e brincar. Nossos amiguinhos sempre vinham brincar conosco. Minha mãe ficava mais sossegada. Ela olhava, sorria e dizia: - Daqui a pouco tem bolo de laranja. Quem vai querer? E todos, incluindo os amigos, respondiam: - Eu, Eu...
- Enquanto os meninos brincavam com bolinha de gude e jogavam futebol com bola de capão, eu e as outras meninas brincávamos com as bonecas e de fazer comidinha. Minha mãe separava um pouco do almoço numa vasilha para que nós aprontássemos a nossa comidinha. Eu juntava duas pedras, uma do lado da outra, e deixava um vão entre elas para colocar gravetos e acender um fogo imaginário, colocava a panelinha para fingir que cozinhava a comida já pronta. Depois era só chamar a molecada pra comer nos pratinhos de alumínio, com garfinhos do mesmo material, que eu ganhara de uma tia de Goiás.
- Enquanto tudo isso acontecia, ele estava ali ao meu lado esperando o seu quinhão.
- Quem era ele, vovó? – perguntou Zequinha curioso.
- Era o meu cão Molekão! – respondeu dona Mariinha.
- Mas que nome engraçado. Por que Molekão? – insistiu o menino.
- Ele era um cão buldogue francês, sisudo, mas uma doçura de animal. Amigo das crianças, ele participava de todas as brincadeiras. Foi meu avô quem colocou o nome Molekão por causa da pele enrugada e mole do focinho. Se não déssemos a nossa comidinha pra ele, podia esperar a choradeira. Ele gania até ganhar o que queria. Bem. Um dia, durante as férias escolares, nós fomos brincar no parque onde ficava a lagoa com a recomendação de minha mãe: - Não fiquem à beira da lagoa e nem entrem na água, pelo amor de Deus. E nós obedecemos direitinho. Ficamos na parte mais alta do parque onde havia muitas árvores.
Os meninos com seus brinquedos: pião, bola e pipa. Nós, as meninas, com bonecas, corda, os pratinhos e as panelinhas para fazer e servir comidinha. Comigo estavam o Molekão e a minha boneca de louça que eu ganhei da minha madrinha. Eu adorava aquela boneca. Depois de umas horas de brincadeiras o céu, que estava azul e fazendo muito calor, ficou cinza ameaçando desabar uma tempestade. Começamos a recolher nossas coisas para voltarmos quando veio a ventania com relâmpagos e trovões. A chuva caiu logo a seguir, fazendo-nos correr para casa. Foi muita água que caiu do céu. Tudo ficou inundado. Depois de passado o temporal e de os amigos terem ido embora, eu me dei conta que a minha boneca tinha ficado lá no parque da lagoa.
Meu pai foi buscá-la, mas voltou de mãos vazias. A boneca havia desaparecido. Que tristeza! Meu coração batia descompassado e as lágrimas rolaram dos meus olhos. Será que a chuva a levou para dentro da lagoa? Molekão ficava ali me rodeando como se entendesse a situação. Lambia as lágrimas que caiam em minhas mãos e eu lhe dizia:
- Eu quero a minha boneca. Você sabe onde ela está?
No dia seguinte Molekão, contrariando os seus costumes, sumiu. Ele nunca havia feito tal coisa. Chegou a hora do almoço e nada, logo ele que não dispensava comida. Minha mãe, preocupada, perguntava aos vizinhos se haviam visto o cão. A reposta era a mesma: - Não, senhora. Mas à tardinha, já com o sol se escondendo, chegou Molekão com a boneca na boca. Parecia que ele mergulhara num mar de lama para resgatá-la. Largou a boneca aos meus pés e se pôs a latir. E meu coração disparou de emoção. Mesmo coberto de lama, eu abracei Molekão em sinal de agradecimento. Depois de tudo limpo, eu, o cão e boneca, perguntei a minha mãe:
- Mamãe! Quem disse que os cães não entendem a língua da gente?
- Provavelmente, alguém que nunca teve um. – respondeu minha mãe sorrindo.
Depois daquele dia, eu que já amava, passei a amar e a respeitar, mais e mais, o nosso cachorro Molekão. Ele sabia, porque sempre que eu deixava no quintal algum dos meus brinquedos, ele vinha e o depositava aos meus pés como a dizer:
- Você esqueceu, não vá perdê-lo como fez com a boneca!
Como você pode ver, meu netinho querido, na vida de toda a criança existe sempre um cão, uma avó e um bolo que pode ser de laranja ou de chocolate.
- Vamos ver como está o bolo? – Perguntou d. Mariinha abrindo o forno e puxando a forma. O perfume invadia cada canto da casa e escapava por janelas e portas para desafiar o paladar da vizinhança.
- Está belíssimo, meu querido! Vamos aguardar que esfrie para colocar a cobertura.
- Vai demorar muito, vovó?
- Ah! Seu guloso. Demora o tempo que a andorinha sinhá Mariquinha leva para botar seu ovo.
- Que história é esta, vovó?
- Esta eu contarei em outra oportunidade.
(Maria Hilda de Jesus Alão)